sábado, 6 de março de 2010

Do riso

O riso é símbolo, também diz, fala e insinua. Em sua essência é transgressor, pois rompe com a ordem, com a rigidez do estabelecido e instaura o desajuste, o sinal de desordem, subverte e desarmoniza o sistema, traz a pane. Mas também é profundamente humano, ligado à nossa espécie, extensão dela, seu modo de ser.
Para Platão o riso era uma ameaça à racionalidade, já que aproximaria o homem da loucura e da animalidade. Aristóteles considerava a comédia um gênero menor, as luzes acenavam para os temas trágicos que causassem dor ou piedade, que produzissem catarse na grande plateia. Apesar de não tão avesso ao riso quanto Platão, ele ainda o delegava a um plano menor, isso porque era a tragédia que colocava em questão conflitos tidos como nobres, que engranceriam a espécie, enquanto o gênero cômico a diminuiria.
Para Gil Vicente rindo castigam-se os costumes. Então o riso seria um ato sádico de subversão, seu alvo: a tradição, o posto, e os atacaria de um modo irritante, afinal ser mote de deboche é indigesto, nem os mais “nobres” costumes suportam. Ainda, é um gesto filosófico, um aceno do pensamento, pois através dele as regras sociais e sua normatização são colocadas em cheque, se convertem em objeto de análise.
Segundo Millôr Fernandes, rindo o homem mostra o animal que é. Nisso não há nada de mal, embora a insana espécie humana coloque-se no ápice da cadeia animal, coroada pela racionalidade, ela não consegue escapar de sua animalidade que está sempre a bater os cascos, a puxar-lhe para o chão. Prontamente com o dedo em riste desmascarando a farsa da louca razão.
Com rios de sangue e barbárie, mas também com medonhas gargalhadas, sarcásticos risinhos, leves e sinuosos movimentos musculares na região próxima aos lábios, o nosso gênero fez sua história. De Platão a Millôr, o homem ri e rindo subverte, transforma, impõe sentido e humaniza-se.

Um comentário:

  1. O riso é inerente a nós que estamos a todo momento nos humanizando que pode expressar alegria mas também nervosismo. encontros e desencontros e viveremos está dualidade de risos e choros na dialética da vida. alvino

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